February 2025


COM APRESENTAÇÃO DE NUNO CÔRTE-REAL


Manuela Couto, declamação

Helder Marques, piano

F. Mompou (1893 – 1987)
Impressões Íntimas
com poesia de Eugénio D’Andrade, Carlos Oliveira, Sophia, Emanuel de Sousa, Fernando Guimarães, Nuno Júdice e David Mourão Ferreira

A identidade e a intimidade são construções históricas, erigidas por meio de discursos e práticas que, ao longo dos séculos, em diferentes sociedades, assumiu uma configuração própria. Ao circunscrevermos a experiência individual, do que é ser, do que é interior, cruzamos a fronteira do uno e indiviso em direção ao plural, ao exterior, diferentes níveis da expressão da relação com o outro, o afeto, o amor, a revelação. Na sociedade pós-moderna, ser-se visto e comentado por incontáveis olhares, em que o horizonte e a materialidade discursiva da tecnologia digital parece incitar a uma miríade de discursos, verbais e visuais, um vortex social, (re)configurou-se o que, historicamente, denominamos de intimidade. Estamos mais próximos mas, nem por isso, mais íntimos.

Dizia Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), a propósito de Fernando Pessoa (1888-1935) “A missão do poeta não é ser sincero, mas ser verídico”, o poeta é “o confessor de toda a gente”. E neste ato de contrição, Nuno Côrte-Real (1971) escolheu poesia de Sophia de Mello Breyner (1919-2004), Carlos Oliveira (1921-81), Eugénio d’Andrade (1923-2005), David Mourão Ferreira (1927-1996), Fernando Guimarães (1928), Nuno Júdice (1949-2024) e Emanuel de Sousa para ilustrar esta voz interior, qual vocalidade maternal uterina.

É neste ambiente que emerge a música de Frederic Mompou i Dencausse (1893-1987), figura singular do séc. XX espanhol. O seu ideal estético, “uma música que é a voz do silêncio”, sem lacunas nem ornamentos, era assumidamente inspirado no verso de São João da Cruz (1542-1591) “música tranquila”. Não por acaso, a sua primeira obra, publicada em 1920 e revista em 1959, um conjunto de 9 miniaturas para piano solo, escritas entre 1911 e 1914, tem como título Impressiones íntimas. Influenciado pelo impressionismo francês, particularmente pelo minimalismo de recursos invocados por Erik Satie (1866-1925) e Gabriel Fauré (1845-1924), Mompou transporta o ouvinte para um universo musical discreto, de emoções delicadas e gestos contidos, a essência do ser. Minimalista na forma, as peças assentam em melodias de natureza introspectiva, acompanhadas por um contraponto suave de progressões harmónicas.

Estes elementos servem para criar uma sensação de intimidade e vulnerabilidade em toda a coleção, como se o compositor estivesse a sussurrar pensamentos e emoções pessoais. A música evoca uma sensação de introspecção e contemplação, convidando os ouvintes a explorar as suas próprias memórias e sentimentos, numa conexão profunda e ressonância emocional com a música.

March 2025


Massimo Spadano violino

ENSEMBLE DARCOS

R. Strauss (1864 – 1949)
Till eulenspiegel einmal anders! (Arr. Franz Hasenoehrl)

N. Peixoto de Pinho (n. 1980) A dança do velho lobo

L. V. Beethoven (1756 – 1791) Septeto em Mib Maior, op. 20

I. Adagio - Allegro con brio
II. Adagio cantabile
III. Tempo di minuetto
IV. Tema con variazione - Andante

V. Scherzo. Allegro molto e vivace

VI. Andante con moto alla marcia

De forte pendor imagético, com um excecional sentido da dramatização e colorido orquestral, o humorado poema sinfónico Till Eulenspiegel lustige Streiche [As Alegres Travessuras de Till Eulenspiegel], op.28, de Richard Strauss (1864-1949), narra as desventuras de Till, figura irreverente do folclore medieval alemão, aqui personificado por 2 motivos melódicos: um heróico ascendente (tocado pela trompa) e outro curto, qual gargalhada (tocado pelo clarinete). Após sucessivos episódios, Till é capturado, julgado e enforcado. Escrito entre 1894-95, seria estreado a 6 de Maio de 1895 pela Orquestra Gürzenich de Colónia, sob direção de Franz Wülner (1832-1902). No concerto de hoje ouviremos Till Eulenspiegel einmal anders! [Um outro Till Eulenspiegel!], adaptação do poema sinfónico original para violino, clarinete, trompa, fagote e contrabaixo, da autoria de Franz Hasenoehrl (1885-1970), que a apelidou de grotesco musical e a estreou em 1954.
Natural de São João da Madeira, e licenciado em Composição pela Escola Superior de Música do Porto, Nuno Peixoto de Pinho (1980) foi o vencedor da 2a edição do Prémio DARCOS 2024. Para clarinete solista, A Dança do Velho Lobo é dedicada ao avô, “homem vivo e enérgico que luta, sofre, ama e vence”. A obra está estruturada à volta de três elementos orgânicos, Vida, Recordar e Evolução, evocativos da adolescência e passado recente do compositor. Nesta deambulação biográfica, de discursividade musical de forte predominância rítmica e agressividade tímbrica, chegam-nos ecos do grupo rock Metallica e, por último, do compositor espanhol Mauricio Sotello (1961), confessada influência musical de Peixoto do Pinho.
Dedicado à imperatriz Maria Teresa de Bourbon (1772-1807), que nutria uma singular predileção por música com sete instrumentos, o Septeto em Mi bemol maior, op. 20, de Ludwig van Beethoven (1756-1791) foi concluído em meados de 1800 e estreado a 2 de Abril desse ano, no Hoftheater de Viena, num concerto que incluiu a 1a audição da Sinfonia no. 1, op.21. Organizado em 6 andamentos, para um ensemble de instrumentos peculiar, violino e clarinete (verdadeiros protagonistas ao longo da obra), fagote, trompa, viola, violoncelo e contrabaixo, apresenta uma verve melódica própria do universo estilístico do classicismo vienense do século XVIII, ainda longe da linguagem disruptiva, de pendor romântico, que caracterizaria a música de Beethoven e revolucionaria o panorama musical europeu do século XIX.

Massimo Spadano violino

ENSEMBLE DARCOS

R. Strauss (1864 – 1949)
Till eulenspiegel einmal anders! (Arr. Franz Hasenoehrl)

N. Peixoto de Pinho (n. 1980)

A dança do velho lobo

L. V. Beethoven (1756 – 1791)

Septeto em Mib Maior, op. 20

I. Adagio - Allegro con brio
II. Adagio cantabile
III. Tempo di minuetto
IV. Tema con variazione - Andante

V. Scherzo. Allegro molto e vivace

VI. Andante con moto alla marcia

De forte pendor imagético, com um excecional sentido da dramatização e colorido orquestral, o humorado poema sinfónico Till Eulenspiegel lustige Streiche [As Alegres Travessuras de Till Eulenspiegel], op.28, de Richard Strauss (1864-1949), narra as desventuras de Till, figura irreverente do folclore medieval alemão, aqui personificado por 2 motivos melódicos: um heróico ascendente (tocado pela trompa) e outro curto, qual gargalhada (tocado pelo clarinete). Após sucessivos episódios, Till é capturado, julgado e enforcado. Escrito entre 1894-95, seria estreado a 6 de Maio de 1895 pela Orquestra Gürzenich de Colónia, sob direção de Franz Wülner (1832-1902). No concerto de hoje ouviremos Till Eulenspiegel einmal anders! [Um outro Till Eulenspiegel!], adaptação do poema sinfónico original para violino, clarinete, trompa, fagote e contrabaixo, da autoria de Franz Hasenoehrl (1885-1970), que a apelidou de grotesco musical e a estreou em 1954.
Natural de São João da Madeira, e licenciado em Composição pela Escola Superior de Música do Porto, Nuno Peixoto de Pinho (1980) foi o vencedor da 2a edição do Prémio DARCOS 2024. Para clarinete solista, A Dança do Velho Lobo é dedicada ao avô, “homem vivo e enérgico que luta, sofre, ama e vence”. A obra está estruturada à volta de três elementos orgânicos, Vida, Recordar e Evolução, evocativos da adolescência e passado recente do compositor. Nesta deambulação biográfica, de discursividade musical de forte predominância rítmica e agressividade tímbrica, chegam-nos ecos do grupo rock Metallica e, por último, do compositor espanhol Mauricio Sotello (1961), confessada influência musical de Peixoto do Pinho.
Dedicado à imperatriz Maria Teresa de Bourbon (1772-1807), que nutria uma singular predileção por música com sete instrumentos, o Septeto em Mi bemol maior, op. 20, de Ludwig van Beethoven (1756-1791) foi concluído em meados de 1800 e estreado a 2 de Abril desse ano, no Hoftheater de Viena, num concerto que incluiu a 1a audição da Sinfonia no. 1, op.21. Organizado em 6 andamentos, para um ensemble de instrumentos peculiar, violino e clarinete (verdadeiros protagonistas ao longo da obra), fagote, trompa, viola, violoncelo e contrabaixo, apresenta uma verve melódica própria do universo estilístico do classicismo vienense do século XVIII, ainda longe da linguagem disruptiva, de pendor romântico, que caracterizaria a música de Beethoven e revolucionaria o panorama musical europeu do século XIX.

April 2025

Nuno Côrte-Real, direção musical

BERLINER SYMPHONIKER

W. A. Mozart (1756 – 1791) - Abertura da ópera “A flauta mágica”

N. Côrte-Real (n. 1971) Sinfonia 2022

I. In search of darkness

II. Song of death

III. Fado (apocalyptic song)

IV. Nuclear marching band

J. Brahms (1833 – 1897)
Sinfonia N0 1, em Dó menor, op. 68
I. Un poco sostenuto - Allegro
II. Andante sostenuto
III. Un poco allegretto e graciozo
IV. Adagio - Più andante - Allegro non troppo, ma con brio - Più allegro

Considerada como uma das principais orquestras da Alemanha, a Berliner Symphoniker começou a sua actividade em 1967, sendo então denominada Symphonisches Orchester Berlin. Renomeada em 1990, é a 1a vez que actua em Portugal.
Die Zauberflöte [A Flauta Mágica], kv620, é a derradeira ópera de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), tendo estreado em Viena, a 30 de Setembro de 1791, a escassas semanas da morte do compositor. Conta a história de 2 príncipes apaixonados, Tamino e Pamina, que triunfam sobre os tremendos obstáculos que lhes são colocados, por entre cerimoniais iniciáticos, simbologia esotérica (o número 3) e magia infantil, da autoria de Emanuel Schikaneder (1751-1812). Graças a Mozart, e à variedade de soluções musicais convocada, a ópera revela uma coerência dramática espantosa. A Abertura, hoje em concerto, consiste na fórmula musical ABAB, em que A corresponde a um solene Adagio, três acordes ascendentes (o número 3 e a sua simbologia) e B a um Allegro fugato, demonstração da perícia contrapontística mozartiana, a que se vem juntar um sinuoso tema secundário no oboé e flauta.

A Sinfonia 2022, de Nuno Côrte-Real (1971), resulta de uma encomenda do Teatro Nacional de São, aí tendo estreado a 13 de Janeiro de 2023, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo compositor. Obra de carácter “sombrio, tétrico e ominoso”, nas palavras de Côrte-Real, é uma “visão pessoal e espiritual” sobre a indefinição violenta que fustiga a civilização, sem abdicar da sua imagética plena de ironia. O 10 andamento apresenta um ostinato que nos suga para um vortex, o 20, de pendor mahleriano, o 30 andamento, um fado, momento de leveza dolente face à complexidade da vida e um 40 andamento, uma marcha grotesca rumo à destruição total.

Concluída em finais de 1876, após um longo processo criativo de mais de 20 anos, a Sinfonia n.0 1, em Dó menor, op. 68, de Johannes Brahms (1833-1897) estreou a 4 de Novembro de 1876, no Großherzogliche Hoftheater de Karlsruhe, sob direção de Felix Otto Dessoff (1835-92). À época, Brahms era encarado como o herdeiro de Beethoven (1770-1827) e da tradição sinfónica germânica, por oposição à música do futuro (a progressiva dissolução da forma e da harmonia tradicional) de Liszt (1811- 86) e Wagner (1813-83). De arquitetura musical sólida, a sinfonia assenta numa série de quadros sonoros contrastantes, de subtilezas rítmicas, cores e planos sonoros originais, partindo da habilidade de Brahms para trabalhar os temas melódicos. O 10 e 40 andamento complementam-se: a tensão e inquietude iniciais dão lugar ao otimismo heróico do último. O 20 andamento é de carácter intimista e bucólico, ao passo que o 30 andamento, o scherzo com ecos do imaginário pastoril campestre qual caminhante pelo campo.

May 2025

Co-produção entre Temporada Darcos e Universidade de Lisboa no quinto centenário do nascimento do poeta

N. Côrte-Real (n. 1971)
“Se misericórdia e amor não vos atara” Poema inédito de Luis de Camões descoberto por Nuno Júdice
J. Dowland (1563 – 1626) / Nuno Côrte-Re- al (n.1971)
Time Stands Still
I. Mr. Sérgio Azevedo’s Prelude
II. “Come again! sweet Love doth now invite” III. Mr. António Pinho Vargas Pavan
IV. “Flow, my tears”
V. Mr. Artur Ribeiro’s Air
VI. “Awake, sweet love”
VII. Mr. Mats Lidstrom his Fantasia
VIII. “I saw my lady weep”
IX. Sir Christopher Bochmann his atonal transition
X. “Shall I sue”
XI. Mr. Eurico Carrapatoso’s Fugue
XII. “Weep you no more, sad fountains”
XIII. Lady Maria João’s Improvisation
XIV. “Time stands still”
XV. ”I Know not what tomorrow will bring” (Fernando Pessoa’s last written words on the day of his death)

Ana Quintans soprano
Vítor D’Andrade, declamação

Nuno Côrte-Real direção musical

ENSEMBLE DARCOS

Junto à entrada do Refeitório do Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, existe um relevo pétreo retratando Cristo atado a uma coluna. Daí surgiu o mote para a encomenda que a direção do monumento nacional fez a Nuno Côrte-Real (1971) para celebrar o V Centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões (1524-1580), que aí repousa, pelo menos em espírito, num cenográfico túmulo diante de outro, o de Vasco da Gama (1469-1524). Em Se misericórdia e amor não vos atara, Côrte-Real recupera o soneto homónimo, primeiro recitado, depois cantado, envolto num panejamento musical a seu tempo onírico, apaixonado, tenso, abrupto, pulsante e discordante, num jogo tímbrico de grande lirismo.

Time Stands Still resulta de uma encomenda do Centro Cultural de Belém para o Festival Dias da Música, em 2019, aí tendo estreado, a 27 de Abril. Sete canções do compositor renascentista inglês John Dowland (†1626) são intercaladas com outros tantos interlúdios instrumentais de Nuno Côrte-Real, dedicados a amizades do seu universo pessoal. Como então afirmou “Apesar de já estarmos longe desse período da História, há, porém, uma certa melancolia nas entrelinhas do nosso tempo que tornam estas canções vivíssimas”.

A sobriedade de Dowland resplandece em cada canção, contrastantes entre si, ora melancólicas ora animadas, mas sempre expressivas, baseando-se nas duas danças então em voga, a pavana (lenta) e a galharda. Os interlúdios revelam a pluralidade de Côrte-Real, a inspirada aproximação a universos musicais distintos, numa saborosa simbiose, informal e descomplexada.

Da pureza cristalina da música de John Dowland, Nuno Côrte-Real reflexiona e reflete. Não imita, não distorce. A imagem de um espelho duplo, em que Dowland se vê enclausurado nuns modernos jeans e Côrte-Real num imponente rufo branco plissado, um olhar contemporâneo sobre o antigo. Mas, não se confunda contemporaneidade com modernidade. Ambos autores são modernos, cada um circunscrito a uma contemporaneidade do tempo histórico que habitam. São ambos musicus poeticus na sua mundividência, na sua evasão da realidade, procurando o infinito, o gesto teatral, volvendo numa espiral de tensões e distensões, numa magnificência singelamente natural, sem subterfúgios supérfluos.

Como nos diz Afonso Miranda, “a obra conclui com uma meditação sobre o mistério do tempo, a imobilidade da mudança, a eternidade”. O Tempo está parado.

Co-produção entre Temporada Darcos e Universidade de Lisboa no quinto centenário do nascimento do poeta

N. Côrte-Real (n. 1971)
“Se misericórdia e amor não vos atara” Poema inédito de Luis de Camões descoberto por Nuno Júdice
J. Dowland (1563 – 1626) / Nuno Côrte-Re- al (n.1971)
Time Stands Still
I. Mr. Sérgio Azevedo’s Prelude
II. “Come again! sweet Love doth now invite” III. Mr. António Pinho Vargas Pavan
IV. “Flow, my tears”
V. Mr. Artur Ribeiro’s Air
VI. “Awake, sweet love”
VII. Mr. Mats Lidstrom his Fantasia
VIII. “I saw my lady weep”
IX. Sir Christopher Bochmann his atonal transition
X. “Shall I sue”
XI. Mr. Eurico Carrapatoso’s Fugue
XII. “Weep you no more, sad fountains”
XIII. Lady Maria João’s Improvisation
XIV. “Time stands still”
XV. ”I Know not what tomorrow will bring” (Fernando Pessoa’s last written words on the day of his death)

Ana Quintans soprano
Vítor D’Andrade, declamação

Nuno Côrte-Real direção musical

ENSEMBLE DARCOS

Junto à entrada do Refeitório do Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, existe um relevo pétreo retratando Cristo atado a uma coluna. Daí surgiu o mote para a encomenda que a direção do monumento nacional fez a Nuno Côrte-Real (1971) para celebrar o V Centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões (1524-1580), que aí repousa, pelo menos em espírito, num cenográfico túmulo diante de outro, o de Vasco da Gama (1469-1524). Em Se misericórdia e amor não vos atara, Côrte-Real recupera o soneto homónimo, primeiro recitado, depois cantado, envolto num panejamento musical a seu tempo onírico, apaixonado, tenso, abrupto, pulsante e discordante, num jogo tímbrico de grande lirismo.

Time Stands Still resulta de uma encomenda do Centro Cultural de Belém para o Festival Dias da Música, em 2019, aí tendo estreado, a 27 de Abril. Sete canções do compositor renascentista inglês John Dowland (†1626) são intercaladas com outros tantos interlúdios instrumentais de Nuno Côrte-Real, dedicados a amizades do seu universo pessoal. Como então afirmou “Apesar de já estarmos longe desse período da História, há, porém, uma certa melancolia nas entrelinhas do nosso tempo que tornam estas canções vivíssimas”.

A sobriedade de Dowland resplandece em cada canção, contrastantes entre si, ora melancólicas ora animadas, mas sempre expressivas, baseando-se nas duas danças então em voga, a pavana (lenta) e a galharda. Os interlúdios revelam a pluralidade de Côrte-Real, a inspirada aproximação a universos musicais distintos, numa saborosa simbiose, informal e descomplexada.

Da pureza cristalina da música de John Dowland, Nuno Côrte-Real reflexiona e reflete. Não imita, não distorce. A imagem de um espelho duplo, em que Dowland se vê enclausurado nuns modernos jeans e Côrte-Real num imponente rufo branco plissado, um olhar contemporâneo sobre o antigo. Mas, não se confunda contemporaneidade com modernidade. Ambos autores são modernos, cada um circunscrito a uma contemporaneidade do tempo histórico que habitam. São ambos musicus poeticus na sua mundividência, na sua evasão da realidade, procurando o infinito, o gesto teatral, volvendo numa espiral de tensões e distensões, numa magnificência singelamente natural, sem subterfúgios supérfluos.

Como nos diz Afonso Miranda, “a obra conclui com uma meditação sobre o mistério do tempo, a imobilidade da mudança, a eternidade”. O Tempo está parado.

June 2025

I. Stravinski (1882 – 1971)
Três peças para quarteto de cordas
A. Pinho Vargas (n. 1951) Quarteto de cordas N0 3
C. Debussy (1862 – 1918)
Quarteto de cordas em sol menor, op. 10
I. Animé et très décidé
II. Assez vif et bien rythmé
III. Andantino, doucement expressif
IV. Très modéré – Très mouvementé et avec passion

Escritas no alvor da I Guerra Mundial, as Três Peças para Quarteto de Cordas de Igor Stravinsky (1882-1971) foram concluídas em Setembro de 1914, sendo estreadas a 8 de Novembro do ano seguinte, em Chicago. Viriam a ser revistas em 1918 e publicadas em 1922. Miniaturas estanques, com um vocabulário musical que hoje denominaríamos de minimalista, pela concisão de recursos apresentados, as Três Peças exploram as possibilidades tímbricas dos instrumentos de corda. A 1a peça assenta numa nota pedal, qual sanfona, e de uma melodia evocativa do folclore russo. A 2a peça é inspirada na atuação do palhaço de music hall inglês, Little Tich (1867-1928), com padrões fragmentados e os pizzicati, qual gargalhadas. O último andamento é de pendor elegíaco, canto litúrgico obscuro e dissonante.

O Quarteto de cordas n.0 3, de António Pinho Vargas (1951), resulta de uma encomenda do Instituto Superior Técnico, aí sendo estreado, pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos, no âmbito do 37.0 Festival de Música do Estoril, a 12 de Julho de 2012. Nas palavras do compositor, cada peça constitui “estar-lançado”, baseada na “liberdade do ato criativo” como “gerador dos materiais e organizador, tanto das suas relações, como da forma”. Tal como faz questão de sublinhar, “o percurso narrativo ou discursivo de cada um dos dois andamentos da peça” constituem uma “metáfora comum”, um percurso da ordem para uma “certa forma de caos”, convidando cada ouvinte “à percepção sensível”, uma significação específica, e “certamente diversa” desses conceitos

Em Agosto de 1893, Claude Debussy (1862-1918) escrevia ao seu amigo André Poniatowski “Penso que, finalmente, te posso mostrar o último andamento do quarteto, que me tem atormentado desde há muito”. Debussy referia-se ao Quarteto de cordas em sol menor, op.10, L91, obra seminal do impressionismo europeu, cuja composição iniciara um anos antes. Audaciosamente revolucionário, Debussy reconfigurou a canónica arquitetura musical germânica, dela fazendo tabula rasa, baseando-se no princípio cíclico temático-motívico, assente em variações e subtis transformações harmónicas ao longo de toda a obra. O tema do 10 andamento é a base dos diversos componentes temáticos da restante obra, sendo de destacar o longueurs e sensualidade do 30 andamento, bem como o ritmo fervilhante do scherzo, numa conjugação magistral de texturas tímbricas. Viria a estrear, na Salle Pleyel de Paris, a 29 de Dezembro de 1893, pelo prestigiado quarteto do violinista Eugène Ysaÿe (1858-1931), a quem a obra é dedicada.

I. Stravinski (1882 – 1971)
Três peças para quarteto de cordas
A. Pinho Vargas (n. 1951) Quarteto de cordas N0 3
C. Debussy (1862 – 1918)
Quarteto de cordas em sol menor, op. 10
I. Animé et très décidé
II. Assez vif et bien rythmé
III. Andantino, doucement expressif
IV. Très modéré – Très mouvementé et avec passion

Escritas no alvor da I Guerra Mundial, as Três Peças para Quarteto de Cordas de Igor Stravinsky (1882-1971) foram concluídas em Setembro de 1914, sendo estreadas a 8 de Novembro do ano seguinte, em Chicago. Viriam a ser revistas em 1918 e publicadas em 1922. Miniaturas estanques, com um vocabulário musical que hoje denominaríamos de minimalista, pela concisão de recursos apresentados, as Três Peças exploram as possibilidades tímbricas dos instrumentos de corda. A 1a peça assenta numa nota pedal, qual sanfona, e de uma melodia evocativa do folclore russo. A 2a peça é inspirada na atuação do palhaço de music hall inglês, Little Tich (1867-1928), com padrões fragmentados e os pizzicati, qual gargalhadas. O último andamento é de pendor elegíaco, canto litúrgico obscuro e dissonante.

O Quarteto de cordas n.0 3, de António Pinho Vargas (1951), resulta de uma encomenda do Instituto Superior Técnico, aí sendo estreado, pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos, no âmbito do 37.0 Festival de Música do Estoril, a 12 de Julho de 2012. Nas palavras do compositor, cada peça constitui “estar-lançado”, baseada na “liberdade do ato criativo” como “gerador dos materiais e organizador, tanto das suas relações, como da forma”. Tal como faz questão de sublinhar, “o percurso narrativo ou discursivo de cada um dos dois andamentos da peça” constituem uma “metáfora comum”, um percurso da ordem para uma “certa forma de caos”, convidando cada ouvinte “à percepção sensível”, uma significação específica, e “certamente diversa” desses conceitos

Em Agosto de 1893, Claude Debussy (1862-1918) escrevia ao seu amigo André Poniatowski “Penso que, finalmente, te posso mostrar o último andamento do quarteto, que me tem atormentado desde há muito”. Debussy referia-se ao Quarteto de cordas em sol menor, op.10, L91, obra seminal do impressionismo europeu, cuja composição iniciara um anos antes. Audaciosamente revolucionário, Debussy reconfigurou a canónica arquitetura musical germânica, dela fazendo tabula rasa, baseando-se no princípio cíclico temático-motívico, assente em variações e subtis transformações harmónicas ao longo de toda a obra. O tema do 10 andamento é a base dos diversos componentes temáticos da restante obra, sendo de destacar o longueurs e sensualidade do 30 andamento, bem como o ritmo fervilhante do scherzo, numa conjugação magistral de texturas tímbricas. Viria a estrear, na Salle Pleyel de Paris, a 29 de Dezembro de 1893, pelo prestigiado quarteto do violinista Eugène Ysaÿe (1858-1931), a quem a obra é dedicada.

July 2025

Em parceria com o Festival Estoril Lisboa, Câmara Municipal de Serpa e o Museu do Cante de Serpa, celebrando os 10 anos de património universal.

CORO RICERCARE

ENSEMBLE DARCOS

Nuno Côrte-Real direção musical

Pedro Teixeira maestro do Coro

E. Carrapatoso (n. 1962)
Llaços, contradanças e descantes
N. Côrte-Real (n. 1971)
Cante (Novíssimo Cancioneiro - Livro Segundo)
I. Ó Serpa, pois tu não ouves?
II. Menina que estás à janela
III. Estrelinha do norte
IV. Vou-me embora, vou partir
V. Alentejo, que és nossa terra (instrumental) VI. Lindo ramo verde escuro
VII. O Lírio roxo
VIII. Serpa que és minha terra IX. O Alecrim (instrumental) X. Ó rama, ó que linda rama XI. Os olhos da Marianita
XII. Adeus, ó vila de Serpa

Na icónica Sala Luís Miguel Cintra (1949), do histórico Teatro São Luiz, em parceria com a Câmara Municipal de Serpa e o Museu do Cante de Serpa, chega-nos a celebração dos 10 anos da elevação do Cante alentejano a Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a 27 de Novembro de 2014. Como exemplarmente definido na candidatura então apresentada, o “(can)to da (te)rra”, é um canto coletivo, polifónico, em compasso lento, quase sempre melancólico, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, associado geograficamente ao Baixo Alentejo, retratando a “ligação umbilical do trabalhador com a terra-mãe”. Ou inteiramente masculino ou feminino, o Cante tem como estrutura musical duas vozes solistas, o ponto e o alto, alternando com um coro, em estrofes repetidas num ciclo o número de vezes que os cantores desejarem. É a expressão de um povo, tradição vernacular única, refletindo a identidade e a história de uma comunidade e de uma região.
Este elo identitário é assumido por Eurico Carrapatoso (1962) e na sua obra Llaços, contradanças e descantes (2016), encomenda do Quarteto de Cordas de Matosinhos, que o estreou na Casa da Música, no Porto, a 21 Novembro de 2017. A propósito, diz- nos o compositor que “durante toda a minha vida iria honrar, com a minha música, as minhas origens, a minha memória, a minha identidade, os llaços do meu afecto, e que levaria bem longe o orgulho de ser quem sou por ter nascido onde nasci”.
Dedicado a Maria Pinto Cortez e ao seu Cancioneiro de Serpa (1994), recolha etnográfica incontornável, feito ao longo de uma vida, e profusamente ilustrado pela autora, o Livro Segundo, op.57, do Novíssimo Cancioneiro de Nuno Côrte-Real (1971) resulta, também ele, da recolha etnográfica na cidade de Serpa por parte do compositor que, fruto de uma circunstância familiar ocasional, aí passou a sua infância.
Discursos musicais externos multiplicam-se, enquanto roupagem que parecem desviar o Cante da sua identidade e autenticidade. Mas ao contrário do que parece, não desviam nem se sobrepõem. Ao invés da transparência da música de Côrte-Real, deparamo-nos com uma opacidade incaracterística, qual partitura caiada, emulando o branco do casario. Pressente-se neste Livro Segundo uma rudeza propositada, um canto percussivo e penetrante, que ecoa na serenidade lírica da planície alentejana. É a rudeza dos árduos dias de trabalho, de uma existência de miséria, uma pobreza compassada e dilacerante, que tinha no Cante e na sua poesia, uma expressão e um escape.

Em parceria com o Festival Estoril Lisboa, Câmara Municipal de Serpa e o Museu do Cante de Serpa, celebrando os 10 anos de património universal.

CORO RICERCARE

ENSEMBLE DARCOS

Nuno Côrte-Real direção musical

Pedro Teixeira maestro do Coro

E. Carrapatoso (n. 1962)
Llaços, contradanças e descantes
N. Côrte-Real (n. 1971)
Cante (Novíssimo Cancioneiro - Livro Segundo)
I. Ó Serpa, pois tu não ouves?
II. Menina que estás à janela
III. Estrelinha do norte
IV. Vou-me embora, vou partir
V. Alentejo, que és nossa terra (instrumental) VI. Lindo ramo verde escuro
VII. O Lírio roxo
VIII. Serpa que és minha terra IX. O Alecrim (instrumental) X. Ó rama, ó que linda rama XI. Os olhos da Marianita
XII. Adeus, ó vila de Serpa

Na icónica Sala Luís Miguel Cintra (1949), do histórico Teatro São Luiz, em parceria com a Câmara Municipal de Serpa e o Museu do Cante de Serpa, chega-nos a celebração dos 10 anos da elevação do Cante alentejano a Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a 27 de Novembro de 2014. Como exemplarmente definido na candidatura então apresentada, o “(can)to da (te)rra”, é um canto coletivo, polifónico, em compasso lento, quase sempre melancólico, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, associado geograficamente ao Baixo Alentejo, retratando a “ligação umbilical do trabalhador com a terra-mãe”. Ou inteiramente masculino ou feminino, o Cante tem como estrutura musical duas vozes solistas, o ponto e o alto, alternando com um coro, em estrofes repetidas num ciclo o número de vezes que os cantores desejarem. É a expressão de um povo, tradição vernacular única, refletindo a identidade e a história de uma comunidade e de uma região.
Este elo identitário é assumido por Eurico Carrapatoso (1962) e na sua obra Llaços, contradanças e descantes (2016), encomenda do Quarteto de Cordas de Matosinhos, que o estreou na Casa da Música, no Porto, a 21 Novembro de 2017. A propósito, diz- nos o compositor que “durante toda a minha vida iria honrar, com a minha música, as minhas origens, a minha memória, a minha identidade, os llaços do meu afecto, e que levaria bem longe o orgulho de ser quem sou por ter nascido onde nasci”.
Dedicado a Maria Pinto Cortez e ao seu Cancioneiro de Serpa (1994), recolha etnográfica incontornável, feito ao longo de uma vida, e profusamente ilustrado pela autora, o Livro Segundo, op.57, do Novíssimo Cancioneiro de Nuno Côrte-Real (1971) resulta, também ele, da recolha etnográfica na cidade de Serpa por parte do compositor que, fruto de uma circunstância familiar ocasional, aí passou a sua infância.
Discursos musicais externos multiplicam-se, enquanto roupagem que parecem desviar o Cante da sua identidade e autenticidade. Mas ao contrário do que parece, não desviam nem se sobrepõem. Ao invés da transparência da música de Côrte-Real, deparamo-nos com uma opacidade incaracterística, qual partitura caiada, emulando o branco do casario. Pressente-se neste Livro Segundo uma rudeza propositada, um canto percussivo e penetrante, que ecoa na serenidade lírica da planície alentejana. É a rudeza dos árduos dias de trabalho, de uma existência de miséria, uma pobreza compassada e dilacerante, que tinha no Cante e na sua poesia, uma expressão e um escape.

COMPOSITOR RESIDENTE - SÉRGIO AZEVEDO

Nuno Côrte-Real direção musical

ENSEMBLE DARCOS

L. Janačék (1854 – 1928)
Concertino I. Moderato II. Più mosso III. Con moto
IV. Allegro
2 obras finalistas a concurso
S. Azevedo (n. 1968)
Concertino de Hukvaldy - estreia absoluta
I. 1. Fanfary
II. 2. Presto (Um esquilo!)
III. 3. Música de Coreto (Nas termas de Luhačov- ice)
IV. 4. À procura da Raposa (Leoš)

Chegados à 3a edição do Prémio Internacional de Composição DARCOS, e às duas obras finalistas, a proposta lançada a todos os concorrentes foi a de apresentarem uma composição para um efetivo instrumental invulgar, piano, trompa, clarinete, dois violinos, viola-d’arco e fagote, à semelhança do Concertino de Leos Janačék (1854-1928), umas das obras mais emblemáticas da música de câmara da 1a metade do século XX europeu. Dedicado ao mítico pianista checo Jan Heřman (1886-1946) e estreado a 16 Fevereiro de 1926, em Brno, na Morávia, o Concertino foi escrito em 1925, entre Praga e Hukvaldy, a cidade natal do compositor. Anos mais tarde, Janáček descreveria a sua obra nos seguintes termos: o tema do 10 andamento, apenas para piano e trompa, é um “ouriço mal-humorado” num dia de Primavera; o do 20 andamento, para piano e clarinete, um esquilo irrequieto que é engaiolado “para deleite das crianças”; o 30 andamento é uma coruja e outros animais noturnos “contemplando as cordas do piano”; o 40 e último andamento, uma discussão “como num conto de fadas”.
O concertino de Janačék é, igualmente, o ponto de partida para o Concertino de Hukvaldy de Sérgio Azevedo (1968). Figura destacada da sua geração, doutorado em composição pela Universidade do Minho, e professor na Escola Superior de Música de Lisboa, Sérgio Azevedo é o autor de uma série de obras relacionadas com o compositor moravo, agrupadas num ciclo intitulado Hukvaldy. O concertino, hoje em estreia absoluta, é a 1a obra de um conjunto de peças de música de câmara. Diz-nos o compositor que “faz referência a Janačék mas de forma oblíqua, raramente citando algo concreto ou mais do que meramente fragmentário (. . .) é o espírito dessas obras e a minha visão das mesmas que se junta à minha própria música de forma inextrincável, produzindo uma música nova que, de certa forma, comunica através do tempo com um passado que é, para mim, muito presente”. De notar o III Andamento, Música de Coreto (Nas termas de Luhačovice), a cidade termal onde Janačék passava longas temporadas e onde uma parte importante da sua produção musical foi escrita, bem como o IV andamento, À procura da Raposa (Leoš), alusão à ópera A Raposinha Matreira (1923).

September 2025

Co-produção entre Teatro Nacional de São Carlos, Temporada Darcos e Universidade de Lisboa no quinto centenário do nascimento do poeta

Cecília Rodrigues soprano Claudia Ribas contralto
Bruno Almeida tenor
Tiago Amado Gomes baixo Nuno Côrte-Real direção musical
CORO DO TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS
ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA

D. Bomtempo (1775 – 1842) - Requiem em Dó menor, op. 23, “À Memória de Camões”
I . Requiem aeternam . Kyrie Sequence:
II . Dies irae
III . Tuba mirum
IV . Rex tremendae V . Recordare
VI . Confutatis
VII . Lacrimosa Offertorium:
VIII . Domine Jesu Christe IX . Hostias et preces
X . Sanctus
XI . Benedictus
XII . Agnus Dei . Cum sanctus tuis XIII .Requiem aeternam

igura singular da História da Música em Portugal, pianista, compositor e pedagogo, João Domingos Bomtempo (1771-1842) era filho do italiano Francisco Xavier Bomtempo, oboísta da Real Câmara e mestre do Seminário da Patriarcal. Notabilizou-se em Paris e Londres, entre 1804 e 1820, como virtuoso do piano e compositor. Com o advento do liberalismo, regressou a Lisboa, sendo alçado à condição de compositor do regime, sendo nomeado, em 1835, como o 10 diretor da escola de música do recém-criado Conservatório Geral de Arte Dramática.
O Requiem em Dó menor, op. 23, “À Memória de Camões” começou a ser escrito em Lisboa, em 1817, sendo concluído em Paris, no ano seguinte, havendo notícia de uma 1a audição privada. A estreia pública chegaria em Junho (ou Julho) de 1819, em Londres, sendo editado pela casa August Leduc em 1820. A dedicatória, como Bomtempo confessa, em 1819, a um correspondente anónimo de Londres “à memória de Camões que, espero, me seja mais produtiva que tantas obras dedicadas a homens ainda vivos, os quais, até ao presente, não me foram de grande utilidade”, terá surgido no âmbito da revalorização do poeta, iniciada com a edição monumental d’Os Lusíadas (1817), em Paris, promovida pelo 50 Morgado de Mateus (1758-1825).
A 1a execução do Requiem em Portugal teve lugar na igreja de São Domingos, em Lisboa, a 18 de Outubro de 1821, no sufrágio do general Freire de Andrade (1757-1817), mártir da Pátria e, no ano seguinte, a 20 de Março de 1822, por ocasião da trasladação do corpo da rainha Dona Maria I (1734-1816) do Rio de Janeiro para a basílica da Estrela. Construído a partir da riqueza dramática e contemplativa dos textos, plasmando-os retoricamente no discurso musical, o Requiem em Dó menor, op. 23, “À Memória de Camões” é uma das obras mais impressivas alguma vez escrita por um compositor português. Consentâneo com as linguagens musicais então em voga, tendo como evidentes referenciais os compositores activos em Paris daqueles anos, Gossec (1734- 1829), Cherubini (1760-1842), Le Sueur (1760-1837) e Méhul (1763-1817), o Requiem representa um corte com o idioma sacro romano-napolitano, ainda cultivado em Portugal em meados do século XIX.
Como diz, de forma lapidar, Rui Vieira Nery, o Requiem de Bomtempo ficará como “um marco isolado” da música portuguesa do séc.XIX e “paradoxalmente, como uma Missa de Defuntos pelo seu próprio projecto estético”, que a sociedade portuguesa foi incapaz de sustentar.

October 2025


com apresentação de Nuno Côrte-Real

F. Chopin (1810 – 1849)
24 Prelúdios (seleção)
com poesia de Jorge de Sena, Júlio Pomar, Herberto Helder, Al Berto, Ramos Rosa
e Ruy Belo

Vítor D’Andrade, declamação

Helder Marques, piano

Este é um canto a várias mãos. A um tempo, o lirismo abstrato de Jorge de Sena (1919- 1978), Ramos Rosa (1924-2013), Júlio Pomar (1926-2018), Herberto Helder (1930-2015), Ruy Belo (1933-1978) e Al Berto (1948-1997) pela voz inspirada de Vítor d’Andrade. A outro, Helder Marques, com uma seleção dos 24 Prelúdios, op.28, de Frédéric Chopin (1810-1849).
Obra maior da literatura pianística da cultura ocidental, os Prelúdios marcam uma evolução significativa na longa história do género e, de certa forma, orientando os fundamentos e princípios da técnica moderna do piano. Baseando-se no Das wohltemperierte Clavier [erroneamente traduzido por O Cravo Bem Temperado, visto a palavra alemã “clavier”, no título original, ser um termo genérico para “teclado”] de Johann Sebastian Bach (1685-1750), Chopin seguiu o chamado ciclo das quintas, assim percorrendo as 24 tonalidades maiores e menores da escala cromática. Foram escritos entre finais de 1838 e princípios de 1839, na Cartuxa de Valldemossa, em Mallorca (Espanha), onde o compositor, que sofria de tuberculose, procurara refúgio face ao inverno rigoroso de Paris. Foram dedicados a Camille Pleyel (1788-1855), o célebre fabricante de pianos, que gratificou Chopin com a fabulosa quantia de 2 mil francos. Contrastantes, pela multiplicidade de emoções, texturas e andamentos, entre uma aparente facilidade e um desmesurado virtuosismo, os prelúdios foram descritos pelo mítico compositor Franz Liszt (1811-86) de forma lapidar, “são composições de ordem inteiramente à parte”, são prelúdios “imbuídos de poesia”, admiráveis pela sua variedade, uma “liberdade de expressão típica das obras de um génio”.
Ouviremos o meditativo Prelúdio n.02, o famoso Prelúdio n.0 4 (que viria a ser tocado no funeral do compositor), o profundamente harmónico Prelúdio n.09, o Prelúdio n.0 13, invocador do estilo schubertiano, o longo e transcendente Prelúdio n.0 15, chamado Pingo de Chuva, o Prelúdio n.0 17 (o favorito dos compositores Schumann e Mendelssohn), o vertiginosamente virtuoso Prelúdio n.0 18, o Prelúdio n.0 20 e a sua impressionante sucessão de harmonias de pendor cadêncial, e o atormentado Prelúdio n.0 22, chamado de Impaciente.

November 2025

Megan Kahtz meio-soprano

Nuno Côrte-Real direção musical
ORQUESTRA SINFÓNICA - WIENER CONCERT-VEREIN

J. Haydn (1770 – 1827)
Sinfonia n0 44 em Mi menor, “Luto” I. Allegro con brio
II. Menuetto e Trio: Allegretto
III. Adagio
IV. Finale: Presto


J. Dowland (1862 – 1918)

I. Come again!
II. Flow, my tears
III. Awake, sweet love
IV. I saw my lady weep
V. Shall I sue
VI. Weep you no more, sad fountains VII. Time stands still


N. Côrte-Real (n. 1971)
Seleção do ciclo “Agora muda tudo” com poesia de José Luís Peixoto
I. Ondas na praia
II. Quando me esperas
III. Praga infalível
IV. Banquete invisível
V. A um milímetro da minha pele

Pela primeira vez em Portugal, a conceituada orquestra austríaca Wiener Concert-Verein foi fundada em 1987, com músicos da Wiener Symphoniker, reunindo, actualmente, músicos das principais orquestras de Viena, e mantendo uma temporada de concertos na mítica Sala Brahms do Musikverein.
Obra-prima da construção e retórica musical, com um discurso de grande impulso emotivo, a Sinfonia n.044 em Mi menor, Hob.1:44, de Joseph Haydn (1770-1827) foi escrita entre 1770-71, para a corte dos Príncipes de Esterházy, da qual era o mestre de capela. Devedora do movimento artístico designado por Sturm und Drang, a sinfonia apresenta todas as características desta linguagem: contornos melódicos inesperados, cortes abruptos, contraponto arrevesado, dissonâncias, cromatismos, instabilidade harmónica e uma apetência por dinâmicas contrastantes, assim obtendo mudanças drásticas de ambientes e crescendos de intensidade.
O ciclo Time Stands Still resulta de uma encomenda do Centro Cultural de Belém para o Festival Dias da Música, em 2019, aí tendo estreado, a 27 de Abril. A obra consiste em 7 canções do compositor renascentista inglês John Dowland (†1626), orquestradas por Nuno Côrte-Real (1971), intercaladas com 7 interlúdios instrumentais, dedicados a amizades do seu universo pessoal. Como então afirmou Côrte-Real, “Apesar de já estarmos longe desse período da História, há, porém, uma certa melancolia nas entrelinhas do nosso tempo que tornam estas canções vivíssimas”. No concerto de hoje, ouviremos apenas as sete canções de Dowland, como uma nova orquestração, num idioma sonoro próximo do espírito do classicismo vienense.
Igualmente estreado no Centro Cultural de Belém, o ciclo Agora muda tudo foi escrito em 2017, para comemorar o décimo aniversário da Temporada DARCOS. Agraciado com o Prémios Autores SPA de 2018, o ciclo é o resultado do encontro de Nuno Côrte- Real com a poesia original de José Luís Peixoto (1974) e a voz da cantora de jazz internacionalmente aclamada, Maria João (1956). Especialmente rearranjado para o Wiener Concert-Verein, ouviremos cinco das 12 canções originais: I. Ondas na praia (3) / II. Quando me esperas (5) / III. Praga infalível (9) / IV. Banquete invisível (7) / V. A um milímetro da minha pele (10).

Megan Kahtz meio-soprano

Nuno Côrte-Real direção musical
ORQUESTRA SINFÓNICA - WIENER CONCERT-VEREIN

J. Haydn (1770 – 1827)
Sinfonia n0 44 em Mi menor, “Luto” I. Allegro con brio
II. Menuetto e Trio: Allegretto
III. Adagio
IV. Finale: Presto


J. Dowland (1862 – 1918)

I. Come again!
II. Flow, my tears
III. Awake, sweet love
IV. I saw my lady weep
V. Shall I sue
VI. Weep you no more, sad fountains VII. Time stands still


N. Côrte-Real (n. 1971)
Seleção do ciclo “Agora muda tudo” com poesia de José Luís Peixoto
I. Ondas na praia
II. Quando me esperas
III. Praga infalível
IV. Banquete invisível
V. A um milímetro da minha pele

Pela primeira vez em Portugal, a conceituada orquestra austríaca Wiener Concert-Verein foi fundada em 1987, com músicos da Wiener Symphoniker, reunindo, actualmente, músicos das principais orquestras de Viena, e mantendo uma temporada de concertos na mítica Sala Brahms do Musikverein.
Obra-prima da construção e retórica musical, com um discurso de grande impulso emotivo, a Sinfonia n.044 em Mi menor, Hob.1:44, de Joseph Haydn (1770-1827) foi escrita entre 1770-71, para a corte dos Príncipes de Esterházy, da qual era o mestre de capela. Devedora do movimento artístico designado por Sturm und Drang, a sinfonia apresenta todas as características desta linguagem: contornos melódicos inesperados, cortes abruptos, contraponto arrevesado, dissonâncias, cromatismos, instabilidade harmónica e uma apetência por dinâmicas contrastantes, assim obtendo mudanças drásticas de ambientes e crescendos de intensidade.
O ciclo Time Stands Still resulta de uma encomenda do Centro Cultural de Belém para o Festival Dias da Música, em 2019, aí tendo estreado, a 27 de Abril. A obra consiste em 7 canções do compositor renascentista inglês John Dowland (†1626), orquestradas por Nuno Côrte-Real (1971), intercaladas com 7 interlúdios instrumentais, dedicados a amizades do seu universo pessoal. Como então afirmou Côrte-Real, “Apesar de já estarmos longe desse período da História, há, porém, uma certa melancolia nas entrelinhas do nosso tempo que tornam estas canções vivíssimas”. No concerto de hoje, ouviremos apenas as sete canções de Dowland, como uma nova orquestração, num idioma sonoro próximo do espírito do classicismo vienense.
Igualmente estreado no Centro Cultural de Belém, o ciclo Agora muda tudo foi escrito em 2017, para comemorar o décimo aniversário da Temporada DARCOS. Agraciado com o Prémios Autores SPA de 2018, o ciclo é o resultado do encontro de Nuno Côrte- Real com a poesia original de José Luís Peixoto (1974) e a voz da cantora de jazz internacionalmente aclamada, Maria João (1956). Especialmente rearranjado para o Wiener Concert-Verein, ouviremos cinco das 12 canções originais: I. Ondas na praia (3) / II. Quando me esperas (5) / III. Praga infalível (9) / IV. Banquete invisível (7) / V. A um milímetro da minha pele (10).

December 2025


ENSEMBLE DARCOS

H. Villa Lobos (1887 – 1959)
Quarteto de cordas N0 5 “Popular”
I. Poco andantino
II. Vivo e energico
III. Andantino - tempo giusto e ben ritmado IV. Allegro


Vasco Mendonça (n. 1977) - Caged Symphonies


M. Ravel (1875 – 1937)

Quarteto de cordas em Fá maior I. Allegro moderado - très doux II. Assez vif - très rythmé
III. Très lent
IV. Vif et agité

Autor de 17 quartetos de cordas (entre 1915 e 1957), uma das maiores séries de quartetos do século XX, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é considerado o mais importante compositor brasileiro de todos os tempos. Figura peculiar pela multiplicidade de referências convocadas, de Haydn a Bach, passando pelo folclore brasileiro e pela música indígena, Villa-Lobos desenvolveu um estilo musical híbrido dificilmente adjetivado. O Quarteto de Cordas n.05 foi escrito em 1931, no rescaldo da Revolução de 1930, que impediu Villa-Lobos de regressar a Paris, onde residia de forma intermitente desde 1927. Ao longo dos 4 andamentos deste quarteto, uma sucessão imparável de melodias e ostinatos rítmicos sucedem-se, sem qualquer nexo, a não ser a vívida simplicidade e o virtuosismo do contraponto que as rodeia, numa caminhada frenética até ao compasso final.
Figura destacada da sua geração, e um dos compositores portugueses de maior renome além-fronteiras, Vasco Mendonça (1977) tem um corpus musical diversificado e, até certo ponto, utópico, numa cacofonia que mergulha o ouvinte numa planície transbordante de imagens criativas que se complementam e anulam, um processo criativo baseado na “confusão e dúvida”, segundo o próprio. Disto é exemplo a obra Caged Symphonies (2008) – Fluxo, Responsório e Mecanism, encomenda da Câmara Municipal de Matosinhos, estreada a 18 Novembro de 2008, no Cine Teatro Constantino Nery, pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos. A um lirismo dramático, que vai surgindo em jeito de responsório, em fluxos sonoros ondulantes, sobrepõe-se ostinatos rítmicos mecânicos e sonoridades difusas, numa simbiose singular.
Obra fulcral do desenvolvimento do género no contexto da música de câmara, em meados do século XX, o Quarteto de cordas em Fá maior de Maurice Ravel (1875- 1937) foi completado em 1903 e dedicado a Gabriel Fauré (1845-1924), o seu mestre de composição no Conservatório Nacional de Paris. Considerado como a sua 1.a obra de maturidade, o quarteto viria a ser estreado a 5 de Março de 1904, na Sociedade Nacional de Música de Paris, pelo Quarteto Haymann. Ainda que se pressinta a influência do Quarteto de cordas, op.10, de Claude Debussy (1862-1918), Ravel apresenta texturas musicais mais claras e uma organização formal devedora do Neoclassicismo. O 1.0 andamento, em forma sonata, transborda de lirismo, por oposição ao 2.0 andamento, evocativo de uma orquestra de gamelan de Java, Indonésia. O 3. andamento retoma fragmentos do andamento inicial, com um panejamento harmónico diverso, assim como o 40 andamento, de pulsar vigoroso e turbulento.

ENSEMBLE DARCOS

H. Villa Lobos (1887 – 1959)
Quarteto de cordas N0 5 “Popular”
I. Poco andantino
II. Vivo e energico
III. Andantino - tempo giusto e ben ritmado IV. Allegro

Vasco Mendonça (n. 1977) - Caged Symphonies

M. Ravel (1875 – 1937)

Quarteto de cordas em Fá maior I. Allegro moderado - très doux II. Assez vif - très rythmé
III. Très lent
IV. Vif et agité

Autor de 17 quartetos de cordas (entre 1915 e 1957), uma das maiores séries de quartetos do século XX, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é considerado o mais importante compositor brasileiro de todos os tempos. Figura peculiar pela multiplicidade de referências convocadas, de Haydn a Bach, passando pelo folclore brasileiro e pela música indígena, Villa-Lobos desenvolveu um estilo musical híbrido dificilmente adjetivado. O Quarteto de Cordas n.05 foi escrito em 1931, no rescaldo da Revolução de 1930, que impediu Villa-Lobos de regressar a Paris, onde residia de forma intermitente desde 1927. Ao longo dos 4 andamentos deste quarteto, uma sucessão imparável de melodias e ostinatos rítmicos sucedem-se, sem qualquer nexo, a não ser a vívida simplicidade e o virtuosismo do contraponto que as rodeia, numa caminhada frenética até ao compasso final.
Figura destacada da sua geração, e um dos compositores portugueses de maior renome além-fronteiras, Vasco Mendonça (1977) tem um corpus musical diversificado e, até certo ponto, utópico, numa cacofonia que mergulha o ouvinte numa planície transbordante de imagens criativas que se complementam e anulam, um processo criativo baseado na “confusão e dúvida”, segundo o próprio. Disto é exemplo a obra Caged Symphonies (2008) – Fluxo, Responsório e Mecanism, encomenda da Câmara Municipal de Matosinhos, estreada a 18 Novembro de 2008, no Cine Teatro Constantino Nery, pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos. A um lirismo dramático, que vai surgindo em jeito de responsório, em fluxos sonoros ondulantes, sobrepõe-se ostinatos rítmicos mecânicos e sonoridades difusas, numa simbiose singular.
Obra fulcral do desenvolvimento do género no contexto da música de câmara, em meados do século XX, o Quarteto de cordas em Fá maior de Maurice Ravel (1875- 1937) foi completado em 1903 e dedicado a Gabriel Fauré (1845-1924), o seu mestre de composição no Conservatório Nacional de Paris. Considerado como a sua 1.a obra de maturidade, o quarteto viria a ser estreado a 5 de Março de 1904, na Sociedade Nacional de Música de Paris, pelo Quarteto Haymann. Ainda que se pressinta a influência do Quarteto de cordas, op.10, de Claude Debussy (1862-1918), Ravel apresenta texturas musicais mais claras e uma organização formal devedora do Neoclassicismo. O 1.0 andamento, em forma sonata, transborda de lirismo, por oposição ao 2.0 andamento, evocativo de uma orquestra de gamelan de Java, Indonésia. O 3. andamento retoma fragmentos do andamento inicial, com um panejamento harmónico diverso, assim como o 40 andamento, de pulsar vigoroso e turbulento.